Pratique a arte de não acabar as coisas

Um péssimo conselho o título desse post, não é mesmo?

Sempre gostei muito de ler. No auge da velocidade atingida pela leitura de vários romances, já cheguei a devorar cinco livros de mais de 400 páginas em uma semana. Sei que existem viciados que leem mais que isso, mas, na época em que fazia essas “loucuras”, eu já trabalhava oito horas por dia e era estudante universitário. Eu lia o tempo todo: dentro do ônibus, durante as aulas chatas, nos períodos de intervalo no trabalho, antes e depois de dormir e se bobear antes de acordar também lia. Era obsessivo. Foi lendo que aprendi a viajar na maionese de graça e aprendi um pouco mais sobre Língua Portuguesa e produção textual de forma prática, uma vez que odeio gramática.

Algumas vezes eu abusava e pegava vários livros emprestados na biblioteca da faculdade, de uma vez só. Tempo, mesmo que pouco, não era difícil conseguir. Quando precisava, eu virava a noite lendo. Mas tinha um problema, eu me sentia obrigado a ler todos os livros até o fim. Uma praga isso, porque se era chato ou desinteressante, eu não conseguia ir para o próximo livro da pilha enquanto não terminasse o anterior. Nossa, era muito ruim, eu demorava muito para terminar, já que não me sentia envolvido pelo texto e assim ficava impossibilitado de manter um ritmo frenético.

Eu falei que tinha um problema? Na verdade, eram dois: além de me sentir obrigado a terminar a leitura de todos os livros, mesmo quando eram porcarias – e quase morrer de complexo de culpa só de pensar na possibilidade de abandoná-los antes da última página – eu nunca consegui ler mais de uma obra ao mesmo tempo. Tem muita gente que faz isso e em alguns casos até dá para entender, mas não quando são romances. Conheci uma menina que leu os três volumes de uma mesma série ao mesmo tempo. Bem, cada um saboreia a própria loucura.

E por falar em loucura, a minha foi tratada quando, lendo um livro do Tim Ferris – que não por acaso concluí a leitura –, encontrei a seguinte passagem que mudou a minha vida:

Começar alguma coisa não significa automaticamente que você tem que terminá-la. Se você está lendo um artigo que o deixa de saco cheio, ponha-o de lado e não o pegue novamente. (…) interromper algo é frequentemente 10 vezes melhor do que terminá-lo. Desenvolva o habito de não acabar o que for chato ou improdutivo, a menos que seu chefe mande você terminar.

Aí você pode perguntar: “Que idiotice é essa? Precisava ler o óbvio para passar a acreditar e fazer o óbvio?”

Acho que esse texto mexeu comigo de uma maneira transformadora justamente pelo fato de estar escrito em um livro. Para as pessoas que me achavam doente, posso dizer que agora sou livre: o demônio responsável por essa mania que tanto atrasava minha vida saiu do meu corpo. Consigo filtrar minhas leituras com tranquilidade e não me sinto um ser humano do mal por agir assim.

O legal é que essa ideia vale não somente para livros, mas para filmes, comida, viagens e até mesmo pessoas. Tenho pensado nisso ultimamente. Fica o desafio: é bom tomar cuidado para não ir de um extremo ao outro. Tornar religião a decisão de largar os livros e outras coisas da vida pela metade, não terminando mais nada, é tão perigoso quanto querer concluir tudo.