A cada sala, engolíamos seco e segurávamos as lágrimas. Ver fotos, ler relatos e ouvir áudios de pacientes nos transportava, de alguma forma, à realidade dos pacientes psiquiátricos de Barbacena. Por muitos anos, o Hospital Colônia de Barbacena foi “referência” nacional em “tratamento” de pessoas com doenças psiquiátricas, tanto que Barbacena teve a alcunha de “cidade dos loucos”.
O Hospital começou a funcionar em 1903, com o nome de Azylo Central de Barbacena. Em 1911, transformou-se em Hospital Colônia de Barbacena. A partir daí, milhares de pessoas eram encaminhadas para, teoricamente, serem tratadas naquele hospital.
Trens chamados de “trens de loucos” chegavam cheios de pessoas para serem internadas, muitas abandonas pelas famílias. Com capacidade para 200 pessoas, já chegou a receber 5000!
Superlotação, condições desumanas, doenças. Fácil entender porque cerca de 700 pacientes morriam por ano. Logo, outro fato começou a ficar comum: corpos começaram a desaparecer “sem explicação” – iniciou-se um comércio ilegal para faculdades de medicina.
Quanto mais entrávamos no museu, mais mergulhávamos nessa história tão triste. Os pacientes eram trancados em celas, algemados, tinham que comer com as mãos e muitos ficavam nus. Em 1930, um diretor sugeriu o chamado “leito único”: camas foram retiradas e todos dormiam no chão ou em esteiras de capim. Dizem que o modelo de leito único deu tão certo que o próprio governo o recomendou, em 1959, para outros hospitais mineiros.
As condições a que eram submetidos os pacientes eram a mais degradantes possíveis. Banhos gelados, eletrochoque, lobotomia. Não havia dignidade. Não havia cuidado. Não havia esperança. O hospital chegou a ser comparado a um campo de concentração nazista por um psiquiatra italiano que o visitou.
Tornou-se um verdadeiro de depósito de gente. Pessoas rejeitadas, excluídas, indesejadas. Pessoas que eram torturadas. Vimos as algemas, o aparelho de eletrochoque, o picador de gelo usado para se chegar até o cérebro na lobotomia, cirurgia irreversível que desconecta algumas áreas do cérebro. Ouvimos áudios de pacientes gravados pela imprensa, quando as denúncias começaram a surgir. Gritos, cantos e também relatos aparentemente bem lúcidos de pessoas contando como foram parar ali, já que com o tempo qualquer ser indesejado, como alcoólatras, mendigos, homossexuais, meninas solteiras que não eram mais virgens e esposas traídas (para que os homens ficassem com as amantes) eram mandados para lá. Estima-se de 60 mil pessoas tenham morrido e quase 2000 corpos tenham sido vendidos.
Em 1958, começaram as primeiras denúncias. Em uma sala dedicada a este fim, podemos ver as notícias do jornal da época, como a famosa matéria “Nos porões da loucura”. Foi feito também um documentário chamado Em Nome da Razão (assista aqui).
Essas denúncias demoraram quase duas décadas para começar a surtir efeito. Somente em 1980, o hospital foi fechado. Profissionais da área da saúde mental e direitos humanos começaram a se manifestar. Em 1987 foi instituído o dia 18 de maio como Dia da Luta Antimanicomial.
Como as coisas demoram, foram 10 anos de discussão para somente após 10 anos, em 2001, ser assinada a Lei 10216, conhecida como Lei Antimanicomial.
O Museu das Loucura é daqueles espaços, assim como museus dedicados à inquisição, ao holocausto, à escravidão e à ditadura, que são necessários para nos fazer refletir e lutar para que atrocidades como as foram cometidas não se repitam jamais. Foi difícil montar esse museu, pois temiam que fosse ruim para a imagem da cidade e achavam que era uma história que devia ser esquecida. Conhecer a história, porém, é importante para não deixar acontecer novamente.
Museu da Loucura
Av. 14 de Agosto, s/n – Floresta – Barbacena
Te.: (32) 3339-1611
Entrada gratuita
Horário de funcionamento: de terça a domingo das 9h às 11h45 e das 13h às 17h.
O museu funciona em uma área hospitalar. É preciso se identificar na guarita. É proibido tirar fotos de pacientes.
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